Seminário sobre Trabalho Infantil Artístico é realizado em São Paulo

Evento foi marcado pela diversidade de expositores e pela elaboração da Carta de São Paulo

Em 18 e 19 de junho foi realizado o seminário Trabalho Artístico Infantil – Entre o sonho e a realidade no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, na capital, que contou com a presença de procuradores, juizes, auditores do trabalho, pessoas do meio artístico, psicólogos, representantes de organizações de defesa dos direitos das crianças e representantes de empresas de entretenimento. O evento resultou de uma articulação entre Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo e Campinas, Tribunais Regionais do Trabalho (TRT 2 e 15), Ministério Público do Estado (MPT-SP), Tribunal de Justiça (TJ-SP), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

Célia Stander (primeira à esquerda)
Célia Stander (primeira à esquerda)
Elisiane dos Santos (ao centro)
Elisiane dos Santos (ao centro)

 

 

 

 

 

 

 

Após a abertura, feita por representantes das entidades organizadoras, como a vice-procuradora-chefe do MPT Celia Camachi Stander, seguiu-se um debate com os ex-artistas-mirins Bruna Marquezine, Yudi Tamashiro, Felipe Paulino da Silva e Vanessa Goulart, e mães de crianças e adolescentes que atuaram em novelas e peças de teatro. Eles contaram experiências e debateram as dificuldades e perspectivas de quem começou muito cedo a trabalhar em novelas, programas de TV, peças de teatro e comerciais. Também responderam a perguntas sobre como a atividade pode influenciar o crescimento e desenvolvimento psíquico, social e físico de crianças e adolescentes.

Orquestra Choro Blue em apresentação
Orquestra Choro Blue em apresentação

Artistas com certificado de participação
Artistas com certificado de participação
 

 

 

 

 

 

 

Também estiveram presentes os procuradores do Trabalho e representantes da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração de Crianças e Adolescentes do MPT Elisiane dos Santos e Rafael Dias Marques. No encerramento, o Procurador Geral do Trabalho Luiz Antônio de Camargo leu a “Carta de São Paulo”, contendo orientações para a proteção dos artistas mirins surgidas a partir de discussões no evento. “A realização do seminário foi de uma importância ímpar, em primeiro lugar pela articulação entre órgãos. É fundamental esse trabalho em conjunto. Foi um seminário muito bem desenvolvido, com boas discussões, e terminou com essa beleza de documento que é a Carta de São Paulo”, afirmou Camargo.

Luiz Camargo lê a Carta de São Paulo
Luiz Camargo lê a Carta de São Paulo

 

Leia a carta de São Paulo na íntegra:

 

CARTA DE SÃO PAULO

PELA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO

A. PREÂMBULO

I CONSIDERANDO que o Brasil é signatário da Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959, a qual, em seu preâmbulo, reconhece que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio de sua família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão.

II - CONSIDERANDO que o artigo 3º dispõe que "Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada".

III – CONSIDERANDO que a Convenção Sobre os Direitos da Criança reconhece o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social (art. 32); e também impõe que os Estados partes tomem medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais para assegurar a aplicação desse artigo.

IV – CONSIDERANDO que a Convenção nº 182 da  Organização Internacional do Trabalho, (ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto 3597 de 12/9/2000), considera o tráfico de crianças ou outras práticas análogas a escravidão como uma das piores formas de trabalho infantil (art. 3º).

V – CONSIDERANDO que a Convenção n. 138 da Organização Internacional do Trabalho, também ratificada pelo Brasil, em seu art.8º, item I e II, admite, excepcionalmente, a possibilidade de trabalho infantil artístico, antes da idade mínima, desde que haja autorização da autoridade competente, mediante alvará que explicitará as condições especiais de trabalho, voltadas a preservar o desenvolvimento biopsicossocial dos jovens artistas.

VI - CONSIDERANDO que, para as Convenções Internacionais, o termo "criança" significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.

VII – CONSIDERANDO que a Constituição Brasileira (art. 227), albergando o princípio da proteção integral e prioridade absoluta, assegura ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”;

VIII - CONSIDERANDO que a Constituição Brasileira (art. 7º,  XXXIII) estabelece a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

IX – CONSIDERANDO os princípios constitucionais da proteção integral e da prioridade absoluta, bem como o princípio do interesse superior da criança e do adolescente.

B. DECLARAÇÃO

 

Nós,os participantes do Seminário “TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO: ENTRE O SONHO E REALIDADE”, realizado em São Paulo, nos dias 18 e 19.06.2015, promovido pelos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª e da 15ª Regiões, pelos Ministérios Públicos da  2ª e da 15ª Regiões, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pelo Ministério Público do Estado de São Paulo,  pelas Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª e da 15ª Regiões, pela Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo, pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil

 

DECLARAMOS QUE:

  1. O trabalho de crianças e adolescentes em manifestações artísticas, antes da idade mínima prevista na Constituição Federal, constitui uma das formas de trabalho infantil, seja nas TV’s, teatros, rádios, cinemas, publicidade, modelos infantis, dublagem ou qualquer outra atividade artística. 
  2. Como regra geral, o trabalho infantil artístico é totalmente proibido pelo art. 7º, XXXIII da Constituição Federal de 1988, que, proíbe QUALQUER trabalho para menores 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, vedando, ainda, a prática laboral para menores 18 anos, nos casos de atividades noturnas, insalubres, perigosas e prejudiciais ao desenvolvimento moral de crianças e adolescentes.
  3. Sendo uma das formas de expressão do trabalho precoce, o trabalho infantil artístico acarreta prejuízos ao desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes, ofendendo-lhes os direitos fundamentais relativos  à saúde, educação, lazer, convivência familiar e comunitária, dentre outros.
  4. Por força do art. 8º, itens I e II, da Convenção n. 138 da Organização Internacional do Trabalho,  admite-se, EXCPECIONALMENTE, o trabalho infantil artístico, antes da idade mínima estabelecida, desde que observados os seguintes requisitos:  A) Excepcionalidade; B) Situações Individuais e Específicas; C) Ato de Permissão da Autoridade Competente (Autoridade Judiciária do Trabalho); D) Fixação das Atividades Artísticas onde poderá ser ativado o labor; E) Fixação de condições especiais de trabalho.
  5. Na análise de eventual pedido de autorização judicial para trabalho infantil artístico, antes da idade mínima prevista na Lei, deverão ser observados os seguintes parâmetros mínimos de proteção:
  1. Imprescindibilidade de Contratação, de modo que a obra artística não possa ser realizada, objetivamente, por maiores de 16 anos de idade
  2. Aptidão de a obra artística possibilitar o desenvolvimento das potencialidades artísticas de crianças e adolescentes, observando-se, em qualquer caso, sua finalidade recreativa e/ou educativa, sem implicar contexto degradante ou que de alguma maneira afete a integridade física e psicológica das crianças e adolescentes, em observância ao princípio do interesse superior da criança
  3. Prévia autorização de representantes legais de crianças e adolescentes.
  4. Concessão de alvará judicial, na Justiça do Trabalho, para cada novo trabalho realizado;
  5. Impossibilidade de trabalho em casos de prejuízos ao desenvolvimento  biopsicossocial da criança e do adolescente, devidamente aferido em laudo médico-psicológico.
  6. Matrícula, frequência e bom aproveitamento escolares, além de reforço escolar, em caso de mau desempenho.
  7. Compatibilidade entre o horário escolar e atividade de trabalho, resguardados os direitos de repouso, lazer e alimentação, dentre outros, sem qualquer prejuízo à educação escolar básica.
  8. Assistência médica, odontológica e psicológica.
  9. Proibição de labor a menores de 18 anos  em locais e serviços perigosos, noturnos, insalubres, penosos,  prejudiciais à moralidade e em lugares e horários que inviabilizem ou dificultem a frequência à escola.
  10. Depósito, em caderneta de poupança, de percentual de no mínimo 50%, incidente sobre a remuneração devida;
  11. Jornada e carga horária semanal máximas de trabalho,  intervalos de descanso e alimentação, compatíveis com o desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente;
  12. Meio ambiente do trabalho equilibrado, saudável e adequado para o trabalho e frequência de crianças e adolescentes;
  13. Acompanhamento do responsável legal do artista, ou quem o represente, durante a prestação do serviço.
  14. Somente será permitida a contratação sem vínculo empregatício quando o trabalho for eventual, como tal considerado, nos termos da lei 6.533/78, para este fim, aquele cuja duração não exceda de sete dias consecutivos, vedada a utilização do mesmo artista, por essa forma, pelo mesmo contratante, nos 90 (noventa) dias subsequentes;
  15. Ajuste escrito e, se o caso, registro e anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social;
  16. Garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários quando presentes, na relação de trabalho, os requisitos do arts. 2° e 3° da Consolidação das Leis do Trabalho.
  1. O roteiro do trabalho artístico não deverá conter elementos perniciosos à integridade da criança ou do adolescente, como sofrimento em cena, exaustiva repetição, uso violento da memória emotiva, exploração sexual comercial, outros trabalhos degradantes ou ainda constantes da Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Decreto n.6481/2008)
  2. A autorização judicial para trabalho infantil artístico deverá ser certa e específica com relação a determinado contrato de trabalho, não possuindo conteúdo genérico e/ou indeterminado
  3. As causas que tenham como fulcro pedidos de autorização judicial para trabalho infantil artístico antes da idade mínima, e outras questões conexas derivadas dessa relação de trabalho, deverão ser processadas no âmbito da Justiça do Trabalho, por força da ampliação de competência operada pela Emenda Constitucional n. 45/2004.
  4. Para a efetivação do princípio da proteção integral e prioridade absoluta, o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho devem aperfeiçoar mecanismos de controle, bem como especializar-se ainda mais, criando, a exemplo dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª, 10, 15ª, 21º e 22ª Regiões, Juízos Especiais da Infância e da Adolescência ou Juventude, estruturando-os adequadamente,  inclusive, em segundo grau de jurisdição, por meio de Câmaras, Turmas ou Sessões, com a mesma finalidade.
  5. O Estado brasileiro deverá melhor regulamentar o trabalho infantil artístico, tomando como base as experiências normativas comparadas, como, por exemplo, a Diretiva 94/33 da União Europeia.
  6.  Os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente devem realizar estudos técnicos, levantamento de dados e pesquisas acadêmicas quanto aos índices de trabalho infantil artístico e efeitos desta atividade profissional na vida das crianças e adolescentes, considerando a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, os prejuízos psicológicos decorrentes do trabalho infantil artístico, o melhor interesse da criança e do adolescente.

São Paulo, 19 de Junho de 2015.

 

Imprimir