Subnotificação de denúncias relativas à exploração do trablho de crianças e adolescentes preocupa MPT

Em 2020, foram recebidas 1.799 denúncias, o que corresponde a 1/3 do total registrado em 2015, que totalizou 5.327

Brasília – O Ministério Público do Trabalho recebeu 1799 denúncias em 2020 relativas à exploração do trabalho da criança e do adolescente, o que corresponde a cerca de um terço da quantidade de denúncias registradas em 2015, quando foram contabilizadas 5.327. Para a procuradora Ana Maria Villa Real, coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), do MPT, “a redução no número de denúncias pode ser fruto da subnotificação, já que não se observou no período, segundo dados do IBGE publicados nesta quinta, 17 de dezembro, diminuição proporcional dos casos de trabalho infantil”, aponta.

De 2015 a 2020, o MPT recebeu 19.413 denúncias relacionadas ao tema macro “Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente”, que engloba tanto o trabalho infantil quanto irregularidades nos contratos de aprendizagem, falta de políticas públicas para o combate a esse tipo de exploração, entre outras violações. Durante esse intervalo, foram instaurados 10.175 inquéritos civis para apurar as irregularidades trabalhistas, ajuizadas 1.118 ações civis públicas e 5.320 firmados termos de ajustamento de conduta sobre o assunto.

Nesse período, também foram abertos 806 procedimentos promocionais acerca do tema, atuação que é feita de ofício (sem necessidade de denúncia) pelos procuradores e pelas procuradoras do Trabalho com o objetivo de promover o diálogo social, além de acompanhar e estimular a implementação de políticas públicas para enfrentamento ao trabalho infantil.

Mas o que justificaria a redução no número de denúncias este ano, quando todos os especialistas apontam o crescimento do trabalho infantil em razão da crise econômica provocada pela pandemia? A procuradora Ana Maria Villa Real esclarece que as medidas de isolamento podem ser, de fato, um dos fatores. Contudo, pondera que a crescente naturalização do trabalho infantil, perceptível nas redes sociais e presente no discurso de algumas autoridades públicas, pode ser uma das causas.

“Além disso, há um notório descaso do Governo quanto ao enfrentamento do problema, o que deflui da desestruturação de políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil. Este cenário torna mais importante e desafiadora a missão do MPT, não só no sentido de conscientizar a sociedade a respeito dos riscos e prejuízos trazidos pela exploração do trabalho de crianças e adolescentes, mas também de combater os casos de exploração da mão de obra infantil, bem como no de induzir a estruturação de políticas públicas nos estados e municípios brasileiros”, comenta a procuradora.

O balanço foi publicado nesta sexta, 18 de dezembro, um dia após a divulgação os números da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.

Dados da Pnad - Além da subnotificação, os dados da Pnad Contínua trazem aspectos extremamente preocupantes, a exemplo da predominância do trabalho infantil perigoso entre aqueles que realizavam atividades econômicas, do alto índice de informalidade entre os trabalhadores de 16 e 17 anos em atividades econômicas, da forte presença de crianças e adolescentes pretas e pardas (66,1%) em situação de exploração, o que corrobora o racismo como uma das causas estruturantes da pobreza e, via de consequência, do trabalho infantil, além da alta concentração de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 13 anos em atividades da lista TIP.

Os dados da Pnad revelam que em 2019 havia 1,768 milhões de pessoas entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil. Desse total, 706 mil exercem as piores formas de trabalho infantil, tais como trabalho em lixões, nas ruas ou na agricultura. Na faixa etária entre 5 e 13 anos, o percentual chega a 65,1%.

A coordenadora da Coordinfância alerta ainda que 54% de todo o trabalho infantil em atividades econômicas é realizado sob a modalidade das piores formas. “Esta situação certamente agudizou durante o ano de 2020, com tendência a se agravar em 2021, face as consequências sociais e econômicas da pandemia, a ausência de implementação de políticas públicas sociais fundamentais pelo Estado Brasileiro para combater o trabalho infantil e ainda corte anunciado pelo governo de benefícios emergenciais”, afirma.

Os números do IBGE também mostram que o percentual de pessoas entre 5 e 17 anos pretas e pardas (negras) submetidas ao trabalho infantil é bem maior do que o número de crianças e adolescentes brancos nas mesmas condições. “Elas são 66,1% do total, o que só reforça que o racismo é um fator estruturante do trabalho infantil e que precisamos promover uma maior inclusão social dessas pessoas, desde a educação básica de qualidade, até o mercado de trabalho formal, na idade permitida”, ressalta.

Para Villa Real, os dados do IBGE são alarmantes e deixam o Brasil cada vez mais difícil a meta que já deveria ter sido alcançada, de erradicar as piores formas de trabalho infantil. Ela defende que "o país precisa levar a sério a infância e a adolescência, cumprir a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente as Convenções Internacionais das quais é signatário. Ademais, o cumprimento da meta 8.7 da Agenda 2030 de eliminar todas as formas de trabalho infantil até 2025 está cada vez mais distante", diz.

Políticas públicas de enfrentamento precisam ser aprimoradas - Outro dado que chama atenção é o número de crianças e adolescentes que realizavam atividade econômica e residiam em domicílios que possuíam renda proveniente de benefício do Bolsa Família, entre outros benefícios, “quando sabemos que a ausência de trabalho infantil na família beneficiária é uma condicionalidade para o recebimento da transferência de renda”, lembra Ana Maria.

Ainda conforme sustenta a coordenadora nacional da Coordinfância, “na iminência da chegada de 2021, declarado pela ONU como Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, e dois dias antes da divulgação da Pnad Contínua, o Governo, em franco retrocesso social, reinstituiu a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), depois de 20 meses da sua extinção, com uma composição insuficiente e inadequada à defesa dos interesses da infância e adolescência”.

Segundo explica, foram excluídas, entre diversas outras pastas importantes para o enfrentamento do problema, a sociedade civil e o próprio Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas públicas para a infância e adolescência. “Não custa lembrar que uma das atribuições da CONAETI é justamente elaborar e monitorar o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil que, apesar de estar em sua 3ª edição, teve suas ações totalmente paralisadas em abril do ano passado”, reforça.

De acordo com Villa Real, a representação social que integra a composição da nova CONAETI está restrita a entidades sindicais e empregados e empregadores, associações que, não obstante sua importância, não são representativas dos interesses de crianças e adolescentes, como demonstram as reiteradas flexibilizações de cotas de aprendizagem em instrumentos coletivos de trabalho.

“As cotas são ações afirmativas que têm como público prioritário adolescentes de baixa renda e foram concebidas para prevenir e erradicar o trabalho infantil por ocasião da elevação da idade mínima para o trabalho no País. Os sindicatos ao flexibilizarem cotas dispõem sobre direitos constitucionais indisponíveis, dos quais não são titulares e sobre os quais não detêm legitimidade para transigir”, conclui a procuradora.

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