All América Latina Logística é condenada em 15 milhões por trabalho escravo

Condenação em segunda instância resultou de ação do MPT após resgate de 51 trabalhadores em condições degradantes pelo MTE e Polícia Civil

A ALL América Latina Logística foi condenada ontem (18/08) em segunda instância da justiça do Trabalho ao pagamento de R$ 15 milhões por dano moral coletivo após ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP). O relator da decisão foi desembargador Antero Arantes Martins, do Tribunal Regional do Trabalho na 2ª Região. Em 2014 a All fora condenada no mesmo processo pela juíza do Trabalho Maria José Bighetti Ordoño Rebello, e recorreu da decisão em primeira instância.

Considerada a maior companhia ferroviária do Brasil, a empresa foi alvo de uma denúncia anônima feita ao MPT em novembro de 2010 relatando haver trabalhadores em condições análogas à escravidão em um alojamento no Embu-Guaçú e no alojamento e frentes de trabalho da Estação Ferraz. Acionados pelo MPT, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e policiais foram ao local e resgataram 51 trabalhadores isolados na mata, impedidos de ir até a cidade e manter qualquer contato externo. Segundo os relatos dos resgatados, eles eram impedidos de embarcar no único transporte que havia no local para a cidade, tinham de caminhar diariamente cerca de 2 horas até o local de trabalho, além de serem trancados no alojamento pelo lado de fora durante a noite em diversas ocasiões. Jornadas extensas, que chegavam às 70 horas semanais (um dos entrevistados pelos fiscais relatou ter trabalhado por 22 horas seguidas), eram também comuns.

“A empresa alegou desconhecimento e atribuiu a responsabilidade a uma empresa quarteirizada (terceirizada que contrata outra terceirizada). Ocorre que os fatos aconteceram em seu canteiro de obra, por mais de um mês, à luz do dia, diante de seus supervisores... Chamamos isso de cegueira deliberada", afirmou o procurador do Trabalho Luiz Carlos Michele Fabre, um dos responsáveis pela ação do MPT”. Atuaram também no processo os procuradores do Trabalho João Filipe Lacerda Sabino, Maria Beatriz Brandt e Ana Elisa Segatti.

Os homens resgatados trabalhavam na conservação de linhas férreas exploradas e mantidas pela All, que é concessionária de serviço público. A empresa alegou que as irregularidades encontradas eram de responsabilidade somente da Prumo Engenharia, empresa terceirizada pela All que aliciara os trabalhadores na Bahia e em São Paulo. Entretanto, a decisão reconheceu expressamente a responsabilidade da All América por sua cadeia produtiva, enfatizando que a companhia tem o dever de fiscalizar o cumprimento da legislação por suas terceirizadas.

“Não devo nada para vagabundo nenhum” –Segundo os relatos, os trabalhadores também sofriam ameaças e agressões físicas e verbais, e eram intimidados por homens ostentando armas de fogo. Em depoimento, o ajudante permanente de ferrovia, P.S.J., relatou que, quando um grupo de empregados foi reclamar com um superior do atraso de salários, ouviram a seguinte resposta: “Não devo nada para vagabundo nenhum, se vierem reclamar aqui vou mandar a polícia baixar o pau em vocês”. Quando um deles insistiu em receber o salário, segundo o depoimento, foi agredido a cotoveladas.

Os alojamentos não tinham água potável, chuveiro, lavatório, nem depósito de lixo. Os homens faziam as necessidades na mata, e um deles relatou que vira diversos trabalhadores adoecerem sem receber qualquer tratamento, apoio humanitário ou transporte para posto de saúde da região. Em regra, não havia direito ao descanso nos finais de semana, nem mecanismo de registro da jornada de trabalho.

“Ao chegar ao alojamento e frente de trabalho ‘Ferraz’, a equipe da Fiscalização deparou-se com o trabalhador E. A. M. sofrendo seguidas convulsões decorrentes de epilepsia, sem que recebesse qualquer socorro por parte da All. A auditora fiscal do Trabalho Teresinha Aparecida Dias Ramos, médica do Trabalho e socorrista, integrante da equipe, prestou atendimento de emergência ao trabalhador”, relatou o procurador do Trabalho João Filipe Moreira Lacerda Sabino, representante do MPT-SP na ação civil. O funcionário em questão foi levado pela equipe de resgate a um hospital no Grajaú, em São Paulo, onde ficou internado por 6 dias.

Além da multa de R$ 15 milhões por dano moral coletivo, a justiça do Trabalho determinou que a All regularize a situação trabalhista de todos os empregados, terceirizados ou não, corrija os locais de trabalho de acordo com as normas de segurança e higiene vigentes, e que forneça meios de transporte, equipamento e alimentação adequados. Caso a empresa não cumpra as obrigações, terá de pagar R$ 100 mil reais por trabalhador prejudicado. A empresa é também obrigada a fiscalizar toda a sua cadeia de prestação de serviços em busca de irregularidades trabalhistas, sob pena de multa de 100 mil reais.

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